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segunda-feira, 13 de maio de 2013

À conversa com... Jorge M. Bleck, Senior Partner na Linklaters LLP

Maria João Borges (MJB): Foi das primeiras pessoas que conheci, ao longo do meu percurso profissional, que verdadeiramente valoriza a profissão e o seu contributo numa organização. Qual é, para si, a missão desta função?
Jorge M. Bleck (JMB): Não obstante a evolução tecnológica tenha alterado significativamente o apport da profissão, sou dos que continuam a crer que nada substituiu uma Boa secretária (ou assistente como hoje se diz). Na verdade, para mim uma boa secretária possibilita que quem é secretariado se concentre exclusivamente nos temas em que pode efetivamente acrescentar valor. Uma boa secretária filtra-nos acessos, filtra-nos trabalho, liberta-nos tempo, alivia-nos stress, organiza-nos a vida (profissional e muitas vezes particular), instrui-nos nas novas tecnologias, alerta-nos de perigos, protege-nos da má-língua, resolve problemas, antecipa necessidades, serve-nos de ouvidos na “caserna” e, inclusive, mente por nós! 

MJB: Quais são, para si, os requisitos essenciais de competências para o exercício da profissão? Quais valoriza mais?
JMB: Mais do que os requisitos técnicos – que se dão por adquiridos – para se ser uma boa secretária são mais importantes (e mais difíceis porque muitos deles são inatos) os chamados “soft skills”. Desde logo, ter-se orgulho em ser secretária; perceber bem o quão importante é a função para que a pessoa que se secretaria possa singrar. Uma boa secretária quer-se altruísta e discreta, já que a profissão, muitas vezes, realiza-se e mede-se mais pelo sucesso do próximo, do que pelo direto e exclusivo sucesso próprio. Uma boa secretária é determinante, mas sabe ficar na sombra. Uma boa secretária preocupa-se; empenha-se e envolve-se a fundo; cuida de quem secretaria. Tem iniciativa, sabe dizer sim, mas também sabe dizer não. É frontal e sincera nas suas opiniões; sabe ouvir e sabe guardar segredos.

De tudo isto para mim o que valorizo mais é o preocupar-se, o ser empenhada, a honestidade e o saber guardar segredo, numa palavra, a confiança.

MJB: Tem fama de ser uma pessoa muito exigente e frontal, com quem nem sempre é fácil lidar. Como encara esta perceção?
JMB: A meu ver Portugal convive mal com níveis de exigência que lá fora são comuns. Não tenciono contemporizar com essa cultura e tudo faço para a contrariar, já que a considero um dos fatores da nossa baixa produtividade e competitividade. Todavia exigência nada tem que ver com desconsideração, desrespeito ou abuso; muito pelo contrário. Exigência tem a ver com a valorização da função de secretária e com a noção correta da sua importância para a prestação do serviço com o nível que o cliente espera de nós. Acresce que entre secretária e pessoa secretariada tem de haver química; sem ela é muito difícil criar-se uma relação. Havendo uma efetiva relação, o nível de tolerância para com os eventuais defeitos do outro aumenta, já que se aprende a dar a devida dimensão às más reações e aos maus momentos de parte a parte.

MJB: A profissão ainda é vista como apresentando pouco potencial ao nível da progressão na carreira e salarial, e isso pode ser redutor quando se escolhe uma carreira. Concorda com esta visão?
JMB: O país dos “doutores” tende a acabar, felizmente. Essa obsessão correspondeu a uma fase de crescimento da qual, creio, estamos já a evoluir. Mais importante do que o “canudo” é termos uma profissão e ainda mais importante é termos um emprego e sentirmo-nos úteis e a acrescentar valor. Para isso já se provou com o elevado número de supostos licenciados a fazerem trabalho não qualificado que ser “Dr.” ao fim e ao cabo não constitui nem sinal de estatuto, nem sinal de emprego ou de carreira.
 
A via profissionalizante – onde, a meu ver, se deveria colocar o secretariado – ganha, por isso, cada vez mais campo e começa a recuperar paulatinamente da penumbra para onde a levou o provincianismo e atavismo por detrás da obsessão do “Dr.”.

MJB: Será a função ainda encarada como uma questão de status por muitos gestores, como se se tratasse de uma componente de um pacote salarial?
JMB: Admito que sim. Num país que ainda tem muito de provinciano e atávico – vide a obsessão pelo tratamento formal e o desespero de supostos altos quadros políticos em aparecerem com um “canudo” a todo o custo – não é de estranhar que ainda haja pessoas que encarem o “ter secretária” como sinal de estatuto. Todavia, estou em crer que isso tende a desaparecer à medida que o país evolui e as pessoas ganham mundo. 

MJB: Ao longo da minha vida profissional constatei, apesar de tudo, que é mais fácil receber prémios pecuniários do que um elogio ou um agradecimento. Não foi certamente o caso quando trabalhei consigo. Em que medida a falta de feedback e reconhecimento leva à desmotivação destes profissionais e a uma crescente opção por outras saídas profissionais?
JMB: Este não é um problema só desta profissão; é um problema geral em Portugal. Desde a escola – e quiçá mesmo logo em casa – já se deixou para trás uma cultura de exigência, estupidamente associada a seguir ao 25 de abril com o autoritarismo do 24 de abril. Acresce que a cultura dominante hoje, i.e., o politicamente correto, é sermos consensuais e, assim, estarmos bem com todos. Ora, neste quadro é fácil perceber que dar feedback com a honestidade e frontalidade que o mesmo exige vira tortura para quem dá e inclusive para quem recebe. Hoje em dia quem é suposto dar feedback foge a dar más notícias, pelo receio de ser remetido ao opróbrio do ser “exigente” (que, entre nós, é sinónimo de “intolerante” e “intratável”) e quem é suposto receber feedback só está preparado para acolher boas mensagens, pois, muito provavelmente, comunga dessa característica, muito comum entre os seres humanos, que é a de “não se enxergar”, pois desde tenra idade foi criado na facilidade e na mentira quanto ao seu verdadeiro valor (a começar no facilitismo da educação escolar, quando não ao desleixo da educação doméstica). Associado a este fenómeno e, a meu ver, dele decorrente, vem o reverso da medalha, que é como quem diz, o feedback positivo, por via do elogio ou mesmo do mero agradecimento. Na verdade, para que nem sequer surja um momento em que não se consiga fugir a dar alguma mensagem menos positiva, o melhor mesmo é não dar feedback algum, pois assim evita-se a oportunidade.

MJB: As sociedades de advogados são dos tipos de organizações que estes profissionais mais evitam, pelo ambiente de trabalho e distância nas relações. Concorda com esta afirmação?
JMB: Sim e não. Sim porque a maior parte dos advogados atenta a sua educação excessivamente formal, tende a impor a terceiros um tratamento solene e, assim, a criar a distância que o mesmo carrega. Não, porque as gerações mais jovens e as sociedades mais afoitas a adotar a modernidade já começam a deixar para trás esses costumes que rotulo de antiquados e algo provincianos. Todavia, atente-se que as instituições com as quais os advogados mais lidam, a saber, os tribunais, são ainda das que no nosso país mais formalismo no trato exigem, razão por que é compreensível que, quanto mais não seja por reflexo, os advogados ainda tendam a cultivar uma certa solenidade no trato.

MJB: Fala-se muito, nestes tempos conturbados, de redução de custos e algumas empresas têm optado por extinguir este posto de trabalho. Mas será que a função corre o risco, do seu ponto de vista, de desaparecer?
JMB: Aqui há uns anos um advogado não escrevia um contrato ou um articulado para tribunal usando um teclado que fosse. Mais. Não escrevia uma carta sequer; não atendia nem fazia uma chamada telefónica, nem marcava uma reunião sem que a sua secretária a intermediasse. Hoje, qualquer advogado medianamente atualizado dispensa solicitar à sua secretária este tipo de serviços. Hoje qualquer advogado (que não seja info-excluído) tem o seu computador onde edita, revê e imprime os seus contratos, articulados, cartas ou e-mails, usa o seu telemóvel ou a sua linha direta para fazer e receber chamadas de clientes; ou seja, está em contacto direto, sem intermediação da secretária.
 
Nesse sentido a secretária passou a ter menos tarefas, mas, porventura, as menos exigentes e aquelas onde os “technical skills” são mais fáceis de preencher. Restam as outras, aquelas precisamente onde os “soft skills”, de que falei acima, mais despontam. Acresce, que este recondicionamento de funções permitiu, sem dúvida, que a uma secretária corresponda mais de uma pessoa a secretariar; todavia daí a dizer que a profissão corre um risco de vir a desaparecer parece-me carecer totalmente de fundamento.

MJB: Como prevê a evolução da função no futuro?
JMB: Na verdade, as pessoas que hoje requerem um serviço de secretariado tendem a ser mais autónomas em face não só das tecnologias ao seu dispor, mas também em face da normalização do tratamento e acesso direto que as mesmas proporcionaram (telemóvel, e-mail, Internet). Contudo e a meu ver, há uma tendência para cada vez mais se valorizar o tratamento personalizado e a atenção à pessoa, em contraponto à massificação e produção em série. Ora, é aí que uma boa secretária pode fazer a diferença, precisamente quando consegue um nível tal de proximidade e de interação com as pessoas que secretaria que com elas passa a constituir uma equipa.
 
É mais para esta interação e partilha de tarefas de maior responsabilidade que o trabalho de secretária e secretariado devem tender, evolução esta que, na minha opinião, tornará a profissão ainda mais necessária, pelo valor que pode acrescentar. No entanto, para isso os ditos “soft skills” vão ser ainda mais importantes e por isso, maior a valorização dos mesmos e correspondente maior procura e remuneração de quem os exibe.


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